Escolhemos as serras de Fafe para colocar o nosso passeio de
Natal no calendário. Em março de 2020 andamos por lá. Com alguns ajustes no
percurso, conforme as pernas dos participantes, e alguns cortes e opções
tirados no Google Earth. (vamos lá ver se estes cortes tirados no Google Earth
iriam correr bem 😎)
Rocha, Faria, PedroS, Joel, Rui e Rui Ondas foram os cinco
Kedas e o amigo Ondas que investiram nos trilhos.
Saímos do centro de Fafe pelas 9.00h, cafezinho, e
arrancamos à procura dos trilhos propostos.
Uma subidinha em alcatrão que quase dava para encostar a
barriga ao “piche”, tal a inclinação. Uns optaram por não ficar logo ali e
subiram com a bike à mão. No fim dessa subida, metade da roupa já estava
amarrada às costas. (Joel come uma sande de panado e uma banana)
O nevoeiro acompanhava os primeiros km, e quanto mais
subíamos mais em baixo ele ficava fazendo cortinas cinzentas ao nosso redor.
Trilhos muito bem decorados com o outono e água em
abundância, com o nevoeiro a dar um ar fantasmagórico ao percurso.
O Joel ia mais carregado do que quando nós fomos fazer a
GR36 em autonomia de 3 dias. Meia em meia hora tirava uma sandes descomunal que
nos deixava a salivar, o Rocha já lhe apetecia beber cerveja, e ao encontrar um
tasco já queria comer a famosa vitela de Fafe. Não tínhamos horas suficientes
com luz para parar nos tascos.
A famosa casa construída entre dois penedos estava fechada
às vistas, nem a sombra era visível tal a densidade no nosso amigo nevoeiro.
O apêndice Google Earth, ia entrar ao serviço, vamos lá ver
o que ia sair dali.
Fugimos a um estradão e metemo-nos uma trialeira onde os
jipes se deliciavam a subir, muita pedra, regos e dropes, alguns com uma
inclinação assinalável, não dava muito para soltar a burra, não vá ela
entusiasmar-se e atirar-nos ao chão. Foi um belo de um apêndice, o entusiasmo
foi geral.
O apêndice levava-nos ao cruzamento do confurco, as imagens
do rally apoderavam-se das memórias e da conversa, só a velocidade é que não
era a mesma.
No famoso salto a foto da praxe… somos uns gajos modernos e
seguimos as tendências 😉
O percurso fornecia diversos tipos de trilhos de que
gostamos, que adoramos, que explodimos quando entramos no seu habitat e que por
fim nos esgota. Depois temos as ligações entre trilhos, onde vamos recuperando
as energias (Joel a comer uma batata doce) e falamos sobre o tempo… e claro… os
trilhos que acabamos de fazer e da sua beleza miopia, não dava para ver a mais
de 80m.
Faltava a subida do dia, o alto do Morgair, depois seria
sempre a “descer” até Fafe.
O Ondas estava a ficar flat. A memória de 2020 dizia que a
subida pelo track era complicada, não sabíamos se estava pior ou melhor.
Enviamos o nosso melhor batedor (o Faria) com os seus 1125W e quando chegou
disse que estava uma trialeira. Quem quisesse empenar mais um pouco podia
subir, os outos seguiam por estrada e por um estradão e encontrávamo-nos a meio
da subida.
Faria, Rocha e PedroS seguiam o track, Rui, Joel e Ondas
apanhavam a subida mais longa mas menos dura.
O alto do Morgair está moderno com escultura alusiva à sua
altura, (Joel a comer uma sandes de ovo frito e bacon) as vistas… não vale a
pena falar… as pás da eólicas só se viam as pontas quando estas passavam mais
perto do chão.
Lá no topo tem uma vista fantástica sobre o Ermal, sim tb
não vimos, foi de memória.
Apontamos a bike para mais trilhos, bons, e muito bons. A
descida ia levar-nos até à Barragem da Queimadela foram 10km de pura
satisfação.
Nos passadiços da Barragem da Queimadela com a humidade e as
folhas em decomposição transformavam os ripados de madeira numa pista de gelo.
Havia zonas tão escorregadias que só o virar da cabeça para apreciar a paisagem
já provocava calafrios. O ouvir atrás um ui junto com dois estrondos de bikes e
corpos a cair ao chão, sem rasgar uma expressão para não me acontecer o mesmo,
foi hilariante. Qualquer movimento que fosse, nessa altura acontecia-me o
mesmo. Depois de passar a zona critica o Rui e o Faria foram os que ficaram nos
destroços.
Saímos da barragem e o Faria tinha colocado mais um apêndice
ao track, no século passado tinha passado por lá e queria ver como era, se
ainda lhe dava as mesmas sensações, o Alzheimer está a dar cabo dele. Até era
interessante, mas já havia pessoal que só queria comer a vitela, e já não
conseguia ver mais trilhos. (Joel a comer uma sandes de vitela)
Chegamos ao carro perto das 17.00h com 56km e 1570+ e muito
satisfeitos com o passeio e a qualidade de trilhos.
Neste dia tb fizemos o nosso jantar de Natal, incrível, mas
ninguém tirou fotos.
Dos que foram ao passeio tiramos o Rui e o Ondas e entraram
os irmãos Vilas Boas, Tó e Locas, entrou o Mendes, Tony e Carlos Pereira, no
fim para a sobremesa apareceu o Vítor Xilas que nos levou até à pastelaria para
degustar um Porto e trincar um bolo Rei para fechar o dia em beleza.
Depois de fazermos a GR36 o Norberto convidava-nos para
aparecermos no Mogadouro para participar no magusto da associação Monóptero
Bikers, aceitamos logo no dia. O Faria por compromissos familiares ficava em
casa a chorar. Rocha e família iam de véspera, PedroS e Miguel iam no dia em
mais uma madrugada de btt.
O centro nevrálgico ia ser na aldeia de Variz. O Norberto e
amigo já lá se encontravam, montamos as bikes e fomos ao encontro do Rocha que
vinha pela estada desde Mogadouro, tivemos sorte de o encontrar pelo caminho,
lá calhou…
Haviam outros Monóptero, o Manel, o Nuno e o Sandro no
Mogadouro à espera, e num misto de trilhos e estrada lá nos apressamos a ir ao
encontro deles para fazermos os Lagos do Sabor mais a norte.
Engrossávamos o grupo para 8 riders, os de Variz já
acartavam 12km às costas, e começávamos verdadeiramente a percorrer os trilhos.
Com pessoal já a pertencer ao pelotão nacional de estrada e
outro a iniciar, e algumas das bikes ainda com terra do último inverno 😊.
A temperatura fresca, mas agradável. No dia anterior parecia
que ia fazer mais frio. Os trilhos campestres levavam-nos até ao Miradouro da
Fraga do Poio. O nevoeiro tb se queria debruçar na varanda, estava cada vez
mais presente, quanto mais nos aproximávamos do miradouro. Entre pequenos vales
o nevoeiro entrincheirava-se não deixado penetrar os olhares curiosos. A
temperatura baixava uns graus e os olhos só enxergavam uma cortina cinzenta, só
conseguíamos ver a uns 30m.
O Norberto para podermos ver o miradouro, fura. Enquanto
consertamos o furo com cuspe e com coisas que encontrávamos nos bolsos demos
tempo ao nevoeiro para se dissipar. Assim podemos ver alguma da beleza que por
baixo se escondia.
Voltamos ao trilho e poucos metros à frente foi a vez do
Sandro furar, estava uma média boa de furos. Tens líquido no pneu? –
perguntávamos nós. Sim, sim, devo ter – dizia ele.
A bomba a trabalhar freneticamente em vão e lá tivemos de
desmontar o pneu e converter tubeless em camara de ar. Foi uma risada esta
avaria, o pneu ficava colado, em vez de líquido para tapar os furos devia ter
cola, ficou da espessura de um pneu de bike de estrada.
Mais algum tempo perdido e o Manel já achava que não íamos
conseguir chegar até ao Rio Sabor, ia ser o afundanço no gráfico, e depois não
teríamos tempo para pegar no 2º turno no fim do almoço.
O gps já não estava a ter utilidade, agora era navegação à
vista. Visitamos na aldeia de Viduedo um antigo lagar de azeite transformado em
museu e café, com história viva a ser contada por quem tantas vezes usou
aquelas máquinas. Paramos e alguém foi buscar a chaves para podermos beber uns
Favaios e ouvir historias de quando a caldeira explodiu deixando uns furos no
telhado.
Quando saímos ainda haviam estragos dos furos, a bike do
Manel pousava o aro no chão. 3º furo em 23km… bombaaaaaaaaa
Antes de chegarmos à aldeia de Azinhoso o Sandro volta a
furar, ficava para trás com o Nuno, já não haviam mais camaras de ar suplentes,
só a do Rocha que era de mota.
Certamente eles não precisam de material suplente, basta ter
um tlm, ligam e aparece alguém de Jipe, Pick Up ou trator 😂
Visitámos o monumento que dá nome ao grupo, Monóptro de S.Gonçalo. É um monumento raro e de uma grande beleza arquitetónica.
Zarpávamos para Variz, para um almoço já tardio, os
familiares do Rocha já estavam cansados de olhar para o relógio.
O repasto era para o triplo das pessoas que estavam à mesa e
ainda sobrava. Comemos e bebemos só o que conseguimos…
Na hora do café começavam a aparecer os do turno da tarde, e
foi café e água ardente para quem se aventurou, houve quem repetisse uma e
outra vez, a água ardente, estava boa, ia ser uma tarde a arrotar a bagaço
enquanto se pedalava.
Eles os Monóptero Bikers eram muitos, já se contavam a
dobrar e chegavam sempre mais uns. Hique!!! Hique!!!
Arrancamos por estradões juntos ao IC5, alguém teve a feliz
ideia de nos mostrar mais um miradouro, depois de saberem que tínhamos passado
por ali na GR36.
Passávamos por Urrós e tivemos um Déjà Vu, ainda há poucos
dias tínhamos passado por ali. Foi uma surpresa quando chegamos ao Miradouro da
Cerca, uma descida em estradão com o sol já a dizer adeus. Uma pequena subida
em cima da bike e uns metros a pé entre penedos e vegetação, íamos furando e
trepando, chegados ao topo temos o impacto provocado por uma paisagem de outro
mundo!
créditos Luis Meleiro
A grande parte dos Monóptero Bikers já tinha abandonado a
varanda, para eles deve ser usual ver estas paisagens, para nós dava vontade de
ganhar ali raízes, mas não dava, tínhamos a festa, festa e festa.
Tudo o que desce sobe, e o sol tb já descia, e nós subíamos
até à aldeia de Urrós, uma paragem para abastecer líquidos fermentados, ainda
estava alguma trupe no café. FESTAAAaaaa!
Deixávamos Urrós para trás e entravamos num track mais
técnico, mais lento, com uma hora de luz solar a vapores.
Tivemos de dar uma ajuda a um colega que já não tinha
energia, não é muito de comer e depois a energia acaba, foi rebocado para não
chegarmos depois do jantar e da festaaaaaa.
Claro que chegamos de noite, já não é notícia. Tomamos um
banho quente para tirar o frio do corpo e vestir a pele da festa.
A ementa principal era cordeiro assado na brasa, com algum
porco e um espetacular ensopado de miúdos do cordeiro que estava divinal, umas
entradas saborosas e sobremesas feitas pelo pessoal dos Monóptero Bikers. Foi
um jantar com ajuntamento familiar, o magusto a simbolizar a “desculpa” para se
conviver, confraternizar, cantar e tocar com instrumentos e alguns baldes de
tinta.
Campeonato de matraquilhos onde o Rocha ainda foi
desenferrujar os pulsos, eu e Miguel continuávamos a atacar de faca e garfo e
de caneca. A cantoria estava boa e os tocadores já estavam cansados e com os
instrumentos já guardados, mas o Miguel ainda foi pedir para eles tocarem mais
uma. E lá lhe fizeram a vontade e tocaram mais uma hora. Que belo e grande dia,
depois 24 horas acordados, acordamos no Mogadouro e zarpamos para Famalicão
1º dia - Paradela, Miranda do Douro – Lagoaça, Freixo de
Espada à Cinta
Andamos a farejar a zona do Alto Douro. Depois de BarcaD´Alva o Miguel Martins lançou o mote para fazermos a GR36, desta vez
passaríamos pelo miradouro do Penedo do Durão de bike e não de carro. Iam ser
três dias em autonomia (já começava a doer), o formigueiro e a ansiedade
começaram quando a data ficou marcada no nosso calendário da bike.
Rocha, Pedro Faria, PedroS e Miguel Martins juntavam-se à
volta de umas cervejas para pormenorizar os três dias, dormidas, jantares,
lavagem de equipamento, tracks etc & tal. Ao pesquisar na net “GR36” caímos
num rescaldo/crónica no fórumbtt realizada por uns colegas de Lousada, Sampaio
e Gaspar, que os costumamos encontrar nos NGPSs, aí começamos a ter noção do
que nos esperava.
Os dois primeiros dias iam ser destinados à grande rota
GR36, e aos seus miradouros, o terceiro era destinado do final da GR36 até onde
tínhamos deixado o carro.
Um colega das bikes do Miguel, de Mogadouro, tratou de dar
uma ajuda no terceiro dia para saber como se encontravam os trilhos e se estes
estavam cicláveis por onde pretendíamos pedalar.
A logística do que íamos carregar às costas estava a ser
complicada, como era em autonomia, levar roupa para o fim do banho, calçado, higiene
pessoal e alimentação para os três dias… era de balança a pesar a roupa, e tudo
mais. O mais leve é que entrava na mochila, as gramas às costas fazem toda a
diferença. No dia antes de arrancar, as mochilas andavam entre os 6.2kg e os
9kg.
Dia 23 às 5.30h apontávamos os carros para Paradela, Miranda
do Douro, 3h de viagem e chegávamos ao local onde deixávamos os carros no
centro da aldeia. Montávamos o puzzle que trazíamos dentro dos carros e
transformamos as peças em quatro bikes e quatro bigs mochilas.
Deixávamos os carros e percorríamos os primeiros km a
atualizar o corpo ao peso da mochila, era um peso que ia fazer parte do nosso
corpo durante muitas horas do dia (quase todas) e algumas de noite.
A GR36 começava onde o Rio Douro entrava em Portugal. Do
carro até ao inico da GR36 eram mais uns 2km a descer, vá lá… depois era a
subir… e daí?...
Lá no alto começamos a fazer zoom ao ambiente que nos
rodeava, e aí começávamos a ver o desfiladeiro por onde o Douro serpenteava ao
longe. Largamos os travões e aumentamos o zoom até ao primeiro miradouro da
Penha das Torres.
A chegada foi como atravessar a barreira do som, de repente
ficou tudo em silencio a ver a maravilhosa paisagem que os olhos sugavam. A
sensação era sentir-me a mingar ao ponto de um grão de areia ao ver a imensidão
das arribas. 9km depois voltávamos a outra varanda do Douro, o Miradouro de São
João das Arribas e a sensação ainda era mais imponente com os abutres a usufruírem
de um habitat magnifico, acentuando ainda mais o prazer de ali estar.
Miranda do Douro, uma visita rápida à cidade e ficava mais
um miradouro para trás.
Seguia-se Miradouro da Freixiosa, este ainda pouco visitado,
mais um afundanço no gráfico da altimetria. Na descida o primeiro contacto com
os canídeos, são assanhados os desta zona…
Da aldeia da Freixiosa à aldeia Vila Chã da Braciosa os
primeiros trilhos com sal e pimenta, estava a contar com trilhos
maioritariamente em estradões na GR36, a juntar às belas paisagens, apareceram
trilhos com um T grande, não podíamos pedir mais nada nesta atividade.
Na aldeia de Picote com algumas varandas sobre o Douro,
visitámos o Miradouro da Fraga do Puio, mais um de cortar a respiração, (três
semanas mais tarde voltamos à aldeia de Urrós e descobrimos um dos mais
espetaculares miradouros que vi sobre o Douro, uma verdadeira varanda).
Aproveitamos esta varanda literalmente, para fazer a refeição mais longa, usar
o garfo para encher bem a blusa, o Rocha ainda tentou que o Faria fosse buscar
uma garrafa de vinho ao café mais próximo, uns 200m, mas ficamos a ver a água
do Rio Douro a viajar até ao mar. Foi um belo “piquenique”
As árvores de fruta iam dando uma ajudinha ao estômago, e
tudo o que pudéssemos vindimar aproveitávamos.
A GR36 afastava-se do Douro, proporcionando trilhos mais
duros, os km já eram mais lentos,
Calçadas (calçada da Bemposta) a subir, descidas desafiantes que iam colocando
mais pressão nas minhas costas, estas já estavam a pedir uma mochila mais leve.
Miradouro de Picões com uma vista mais alargado sobre o
Douro e o Miradouro de Miguel Bravo, um dos mais famosos em forma de
ferradura.
Depois de nos deliciarmos com estes miradouros, tínhamos
dois rabos de cabra para esfolar. Em 3km fazer 200+, mas a descida tb era muito
complicada, um agricultor da zona decidiu passar a fresa na terra, levantou
muitas pedras soltas e o piso ficou muito irregular. Era muito difícil pedalar,
o andar ao lado da bike já era difícil, que fará tentar ir em cima dela.
O Faria liderava a descida, e ia avisando que esta estava
complicada ao chegar à entrada da ponte de madeira que nos aguardava de braços abertos, enquanto descíamos a pique. Era só tentar descer em cima da bike sem que ela
ganhasse muita velocidade e depois acertar na ponte que era praticamente da
largura do guiador, sem dar cabo das mãos. Simples diz ele, desmonta que tb
está bem assim. A subida foi a acartar as bikes às costas, as elétricas com
30kg… Não foi fácil transpor os socalcos de oliveiras com as analógicas, fará
com as outras.
Acabava a subida já a dar pisca, 3km depois voltava a ter um
Déjà Vu. Descida a pique, a descer foi como dava mais jeito, com 90km e já
acordados há muito, as pernas e a lucidez não eram as melhores, a opção
desmontar nas zonas mais técnicas foi a escolha acertada. A subida foi como a
outra atrás. Subir em escalada, subir em cima da bike, arrastar a bike… lá
está… era como dava jeito e o espirito mandava. Do outro lado do vale
apreciávamos a descida, não parecia muito complicada, mas… estava do outro
lado😅
A falta de sol já estava acentuada, nas zonas dos vales, uma
encosta ainda se via alguma coisa, a outra já calcávamos zonas muito escuras.
Ainda faltavam 10km e as pupilas começavam a dilatar, íamos chegar de noite de
certeza.
O Miradouro dos Abicheiros era o último do dia, ainda o apanhamos com alguma luz
Começamos a aumentar o ritmo num estradão que ainda se
conseguia enxergar, mas sentia-se a bateria da luz solar a perder força. O
Rocha tb se começava a queixar do mesmo, as baterias da bike dele tb já estavam
no limite.
O track saía do estradão e entrava num trilho mais sujo, com
vegetação de alguns tamanhos, pedras soltas e ramos ao nível da cabeça. A
iluminação artificial estava ligada, para partilhar peso uns levavam luz para a
frente e outros para trás, mas no monte em zonas técnicas uma iluminação é pouca,
que fará uma para dois. Encostado na rodinha do Rocha e o Miguel na do Faria
desviados poucos cm uns dos outros ouvia-se, pedra à esquerda, ramo ao nível
dos ombros, pedras soltas, pedra grande à esquerda, cuidado drop, etc &
tal. Isto durante uns 2km, nunca mais acabava, para mim estava a ser a zona
mais complicada, fiquei esgotadíssimo tal era a atenção exercida nestes 2km.
Avistávamos as luzes de Lagoaça e no estradão, já voltava a
descomprimir. O Rocha já só estava a pedalar com vapores de bateria.
Os latidos de cães obrigavam a nova formação, juntinhos, com
Rocha e Faria a iluminarem o trilho.
Iam aumentando a quantidade de cães a ladrar bem como o
presumível tamanho destes, os latidos eram bem graves e quando começamos a ver
aos cães dentro de uma exploração pecuária com rede ficamos mais tranquilos.
Havia só um pequeno pormenor, o portão estava aberto, alguns já se encontravam
à espera e foi uma aflição. O trilho era a descer, os da frente pareciam que
estavam parados ou eu com demasiada força, estava na parte de trás era normal a
aflição, não dava para olhar para trás, ia coladinho aos da frente, não havia
espaço para ultrapassar e depois se os ultrapassasse ficava sem luz. Ouvia a
cavalgada deles juntinhos a nós e visualizava alguns ao lado, com o afastamento
da propriedade eles foram ficando para trás, e ainda bem que começava a subir
para Lagoaça, o Rocha ficava definitivamente a pé, a bateria dele abandonou-o à
sua sorte, 2km até à Estalagem Soeiro Meireles onde íamos jantar e ficar a pernoitar.
Colocar as E-bikes a carregar e os restantes gadgets, banho,
equipamento para lavar na estalagem, jantar à patrão e no final uma pequena
caminhada pela aldeia para desgastar e tentar endireitar as costas.
2º dia - Lagoaça, Freixo de Espada à Cinta – Pocinho, Vila
Nova de Foz Côa
Dia 24, o relógio acordava cedo, começava por alongar a
coluna e os músculos do trapézio. No dia anterior já o tinha feito e tinha
melhorado bastante, era mais um dia longo e não pretendia sofrer tanto das
costas como no dia anterior.
Pequeno almoço reforçado, e uma sandes para juntar ao
almoço. As mochilas em vez de perderem volume aumentaram, a arrumação não foi a
melhor. Equipamento lavado e seco, montar nas bikes e rumar ao primeiro
miradouro do dia, Miradouro da Cruzinha com direito a baloiço e tudo, a vista estava boa, mas um medronheiro
carregado de fruta bem madura e já com algum lastro no chão fez as nossas
delícias, era a sobremesa a seguir ao pequeno almoço, estavam deliciosos.
5km depois voltávamos a outra varanda sobre o Douro,
Miradouro do Carrascalinho, este era imponente, com paisagens a perder de
vista, os grifos lá iam esticando as asas ao sabor das correntes de ar quente,
um baloiço com aviso de peso suportado, dava só para tirar foto. Nem o Faria
podia pousar o rabo neste.
Em Fornos o Rocha fazia-nos a visita guiada à aldeia, passou
alguns dias por lá. Os Km começaram a ser rápidos e de Fornos, Mazouco até às
bordas de Freixo de Espada à Cinta estavam a voar, estávamos adiantados. A
companhia do Douro estava constantemente presente.
Uma figueira ajudava no percurso com figos maduros, estava
um belo dia para pedalar e as costas estavam a aguentar bem a pancada.
Com Freixo de Espada à Cinta à vista o track enviava-nos
para a Sª Dos Montes Ermos, ao começar a subida, ao longe, vimos um corço a
atravessar um descampado.
Enquanto subíamos a paisagem engrandecia-se, do alto da Sª
Dos Montes Ermos com uma vista de 360º a sua imponência aumentava. Na descida,
a primeira parte em alcatrão com as bikes a passarem os 70km, e a segunda
parte, um trilho rápido entre muros e quintais com pitadas se socalcos e curvas
rápidas, um belo trilho.
Chegávamos ao Freixo com a Espada à Cinta, o nome desta
cidade não pode estar melhor representado com uma tabuleta viva no acesso ao
castelo altaneiro. Largamos as bikes e subimos à Torre de Menagem, alguns
deixaram as mochilas em baixo, outros quiseram treinar pernas escadas acima. As
escadas eram em espiral curta com degraus altos, cheguei lá cima já com pouco
oxigénio, era para aumentar o acumulado 😊.
De Freixo de Espada à Cinta até ao Penedo do Durão foram
+-7km, duros, as subidas eram bem inclinadas, trilhos com muita pedra, mas era
um espetáculo observar o que ia rodeando a difícil subida. Ao longo do trilho
cedros altos iam dando apoio, as cores das castas dos vinhedos iam
proporcionado uma paleta de beleza inimaginável. As oliveiras mantinha-se em pé
num relvado digno dos melhores craques. Foi tão prazeroso passar por ali…
O Penedo do Durão que tinha ficado fora dos rodados da minha
bike, deixava agora as marcas. Local escolhido para fazermos a refeição grande
do dia com sol😊. No fim fomos apreciar os grifos a tomarem
conta dos céus por cima do Douro.
10km sempre a descer, o Penedo do Durão ficava para trás e
os km estavam a ser absorvidos rapidamente. Na aldeia de Poiares apanhávamos um
pouco de alcatrão numa rua estreita serpenteada na Serra do Reboredo, mais uma
zona montanhosa de elevada beleza com o Douro a acenar entre vales. A
grandiosidade desta serra, com os seus diversos montes gémeos, e de difícil
acesso obrigava a carregar nos travões para ter uma observação atenta aos
pormenores, que paz…
As rodas voltavam a calcar trilho, e que trilho!!! que foi
transformado em calçada, Calçada de Stª Ana, uma coisa de outro mundo. Escarpas
pinceladas de tons amarelados, com drops e curvas de partir rins, escadas
desformes continuas, apertos no coração e picos de adrenalina incontroláveis. A
banana é projetada da mochila para o chão chamando-nos à terra. Este sim um
verdadeiro trilho que nos marca para a vida, um trilho de coração cheio, de uma
beleza única com cores escolhidas e apontamentos divinos.
Quando chegamos ao Ground Zero que ficava em cima da ponte
por onde a Ribeira do Mosteiro se esgueirava, a explosão de bem estar por estar
ali foi muito boa, nem a dificuldade que seria sair dali preocupava
minimamente.
A subida era bastante escorregadia, era em xisto esverdeado
do musgo e das ervas circundantes, o sol não entrava naquele lado do buraco,
empurrar a bike já era perigoso e do outro lado não havia gradil se alguma
coisa corresse mal. Mas estava-se bem… muito bem.
Ao lado da calçada de Stª Ana tem a calçada de Alpajares que
tb está na ementa para um dia destes.
A saída da calçada tinha sido o canto do cisne para mim e
para minha bike. Depois de 1,5km fiquei sem tração, parecia avaria para todo o
dia, avaria no cepo foi a primeira sensação. (uns dias mais tarde o mecânico
disse que o cepo estava bom, a avaria tinha sido na roda dentada onde o cepo
amarra, uma avaria um pouco incomum, mas…)
Como é de esperar esta avaria quando estás bem longe de casa
e da civilização é sempre um grande contratempo. O Miguel ligou ao colega
Norberto que vivia no Mogadouro (40km em linha reta) para ver se nos conseguia
desenrascar, enviamos fotos da roda para ver o que ele conseguia fazer.
Entretanto as pernas começaram a fazer os km e os braços a empurrar a bike, a
cabeça ainda estava a atualizar toda a informação que estava disponível e
desligava-se de seguida, estava a ser mau demais. Era uma bela de uma subida,
6km com 350+. Tinha a GR36 a fugir, e estava a comprometer a dos meus amigos.
Precisava de chegar o mais rápido à povoação para eles continuarem com luz do
dia.
Quando a subida deixou de ser tão inclinada, subi para cima
da bike e com a ajuda deles fui rebocado e empurrado, troquei com o Miguel que
é mais leve e fomos puxando até chegarmos até à Aldeia de Ligares.
Em Ligares apanhei boleia de uma pick-up até ao café
central, de lá podia esperar pelo táxi.
Enquanto esperava pelo contacto do taxista bebíamos umas
cervejas super geladas. Liguei ao taxista e ele estava no Mogadouro, só vinha à
noite… dassse “#%$%& o azar continuava. Disse para eles continuarem que
tentava arranjar alguém que me levasse a Torre de Moncorvo. Alguns telefonemas
de gentes de lá para ver se conseguiam alguém para me desenrascar, mas não
estava fácil e o Sr Nel (presumo que era esse o seu nome, nascido em Amarante)
com a carrinha cheia de material de pesca disse: “se ela couber ali dentro que
me levava” e assim foi. Tirei a roda da frente e as redes e canas do Sr Nel
apanhavam uma bike.
20km até Torre de Moncorvo. Este Sr não aceitou dinheiro
nenhum de combustível nem do tempo perdido para me desenrascar, bem tentei, mas
não consegui. “Acha que eu vou aceitar algum dinheiro de um azar seu?” dizia
ele… vai ser uma pessoa que vai ficar na minha memória e história.
Já gostava de Trás os Montes com tudo o lhe é associado, mas
com esta experiência de humanidade ainda mais.
Ficava na ciclovia de Torre de Moncorvo, onde era o ponto de
encontro, o track passava por lá.
Ligava ao Miguel a dizer que já me encontrava no ponto de
encontro. Eles estavam atrasados e a perspetiva de chegar de noite já se
avizinhava. Ele Dava-me uma boa noticia, o Norberto em princípio ia consegui
arranjar uma roda, e o melhor era eu botar bike ao caminho e ir em direção ao
Pocinho via ciclovia, antiga linha do comboio do Sabor e era o percurso que
iriamos fazer no dia seguinte.
Baixava o banco e transformava a bike num skate, pezinho a
dar balanço e a gravidade tb ajudava.
O Sol já estava a perder força, a ciclovia ladeava o Rio
Sabor e depois o Rio Douro, eu lá ia desaguando até ao Pocinho, fazia contas de
quantos km ficariam por fazer na GR36, 60km estavam feitos, ficavam por fazer
entre 20 a 30km, snif snif.
10km de ciclovia mais uns 3km até ao centro do Pocinho,
estava acompanhado pelo som das rodas a rasgar a terra compactada e o som dos
pássaros a despedirem-se do dia. Os tons amarelos torrados do fim do dia
trazem-me uma nostalgia. Um dia grande que presta a fechar a porta. Um
sentimento de perda por não fazer esta GR36 toda.
Aterro no Pocinho já sem sol, para afogar as mágoas vou
beber umas cervejinhas numa esplanada, outra vez cerveja super gelada… enquanto
aquece vou colocando a iluminação artificial na bike que já não se vê, e é
preciso ser visto na estrada.
Coloco no gps Taberna da Julinha, local onde íamos pernoitar
e jantar. Estava a uns 300m, era perto. Íamos ficar hospedados numa casa T2 e o
restaurante ficava a 30m da casa, tudo perto.
*** versão do Miguel na continuação da GR36 ***
"Depois de uma passagem espetacular sobre a Ribeira de
Mosteiró, que inclui a descida da calçada de Sant’Ana e a correspondente
subida, em que todos reconhecíamos ser uma das mais espetaculares que fizemos.
Como prenda, a umas centenas de metros uma surpresa, daquelas que não devem acontecer neste tipo de voltas: o cepo (da
roda da bicicleta) do Pedro deu de si! Força a mais? falta de manutenção?(discordo :( Azar?... Lá teve o Pedro de fazer a subida atá Ligares a pé, connosco a
empurrá-lo (ui, que pesado!...) nos poucos planos que encontrámos. (…)
Deixado o Pedro entregue ao pessoal amigo de Ligares, que
ficou de o “entregar” em Torre de Moncorvo, lá prosseguiram as duas elétricas e
o “movido a pernas”. O tempo e a luz solar começavam a diminuir rapidamente,
não havia tempo a perder, e lá fomos, bem até Maçores. Abastecemos de água
(imagino o que será fazer este percurso no Verão, só para inconscientes),
bebemos uma cola, e eis que encontrámos o Sr. (?) que tinha levado o Pedro até
Torre de Moncorvo! Afinal, morava ali! Depois, o terreno é que não estava pelos
ajustes: esperava-nos uma subida bastante inclinada, com piso com muita pedra
pequena solta, que dificultava a progressão, que nos levou dos 540m para os 750
m em apenas 2 kms! As elétricas esperavam lá em cima, pacientemente, pelo
Miguel, que pedalava debruçado sobre o guiador, para conseguir colocar força
nos crenques. Depois, estava quase, nós no alto, e o sol a pôr-se… ainda
andámos 5 kms no alto da Serra de Reboredo, numa cota próxima dos 800 m, com
vistas espetaculares para o Poente, onde víamos o Sol a pôr-se, e o Pocinho,
pequenino, lá em baixo. Foi no exato momento que o sol se punha que chegávamos
à Fraga do Cão, na Açoreira.
Uma foto, para recordar, não havia tempo a perder, esperava-nos uma descida
alucinante, de quase 400 m de D-, em pouco mais de 3 kms, ao lusco-fusco! Rocha
seguia entusiasmado, a 70 kms / h, quando se lembrou que não valia a pena
arriscar, tinha uma família, e decidiu abrandar; Faria, para não fazer pó para
o Miguel, pôs-se ao lado deste, e assim rapidamente chegámos cá abaixo. No
limite, pois já era praticamente escuro. E o Pedro, onde
estava?! Tinha ido pela Ecovia, era sempre a descer. Como era noite, fizemos o
mesmo, faríamos o que faltava da GR36 no dia a seguir, no regresso, invertendo
o que estava planeado. Foi um bom treino, sempre a descer, a ver o Douro aqui e
ali, ao (pouco) luar, com as elétricas a terem de se esforçar para acompanhar a
bicicleta a pernas, que não está limitada a 25 kms/h. Todo o cuidado era pouco
para não irmos contra os vários paus verticais que, volta e meia, apareciam na
Ecovia. Pro fim, o Pocinho! Não fomos pela ponte antiga (ficaria para o dia
seguinte), era um bocado arriscado, e já era tarde. …"***
Estava a tomar banho quando os outros chegaram, de noite
como mandam as regras das nossa voltas. Banhos rápidos para todos e sentar no
restaurante. Eles tb não fizeram o percurso todo em Torre de Moncorvo cortaram
tb para a ciclovia, essa parte do percurso ia ser feita no dia seguinte. Já
ficavam menos km por fazer na GR36.
Fomos muito bem atendidos e servidos pela hospitalidade da
Julinha e do Sr Costa, estava tudo excelente, uma longa e preenchida refeição
com tudo a que tínhamos direito.
Eu ficava mais satisfeito ao saber que o Norberto ia enviar
uma roda na rede expresso, pelas 9.30h chegava à paragem do Pocinho.
No fim da refeição o Faria foi para o quarto e os restantes
foram dar uma volta ao centro do Pocinho, uma volta pequenina, até deu para
conhecer a estação de comboios que é o ex-libris da zona.
3º dia - Pocinho, Vila Nova de Foz Coa – Mogadouro -
Paradela, Miranda do Douro
Dia 25, o dia voltava a acordar cedo, os habituais
alongamentos, tinha corrido bem e as costas passaram o dia sem dores, e equipa
ganhadora não se mexe.
Na nossa cozinha com pequeno almoço caseiro, nós é que
tínhamos de fazer o trabalhinho todo. Tínhamos ingredientes muito bons e
caseiros, é como se estivéssemos em casa. Muito bom.
A preparação da mochila era agora tirar lastro, como tínhamos
de voltar ao Pocinho para levantar a roda da bike, deixávamos tudo o que não
precisávamos para a pedalada do dia.
Às 9.20h Rocha e PedroS estavam na paragem de autocarro sem
bikes, mas equipados. Algumas pessoas que aguardavam o autocarro iam olhando
para dois cromos vestidos com roupa de ciclismo sem bike.
O autocarro chegava com 20 minutos de atraso, o motorista
nem foi preciso dizer nada, saiu e disse: “querem uma roda”, nem sei porque
disse aquilo nem onde foi buscar a ideia😇
Montamos a roda e o disco não chegava às pinças do travão,
não há crise, não se perde mais tempo. O percurso era maioritariamente feito a
subir, e o travão da frente dava ou devia dar para tudo.
Agradecemos a quem nos acolheu tb, e começamos a jornada do
3º dia.
Já passava das 10h quando começamos por atravessar a ponte
antiga, num túnel de ferro com losangos simétricos com vista para o Rio Douro.
Entravamos na GR36 a subir 20% e 15%, concentra-te na vista
que ajudo pensava eu, os pingos de suor já estavam a fazer barulho no quadro da
bike.
Que bela manhã, até Torre de Moncorvo (10km) ia ser mais ou
menos a rondar pendentes acima da média habitual. Ainda subimos mais um pico
até ao marco geodésico para melhor contemplar as vistas sobre o Douro.
Os 10km que lhes faltaram no dia anterior para finalizar a
GR36 estavam a ser feitos hoje. A mim ficavam entre os 18 e 20km por fazer.
O trilho era como um elevador, levava-nos por entre vinhedos
e amendoeiras com as vistas sempre a aumentar no horizonte.
Entravamos no centro de Torre de Moncorvo, uma pequena vista
à igreja matriz e a sua envolvência.
O relógio estava demasiado atrasado, para este dia as contas
eram cerca de 120 a 130km com mais ou menos 1500 a 1700+ de acumulado para
chegarmos ao carro.
A ciclovia no município de Torre de Moncorvo estava
impecavelmente ciclável, mas os km continuavam lentos. O joelho do Miguel
começava a soltar os rebites, a intensidade destes dias começava a desfazer a
fisioterapia que tinha antecedido a GR36, o meu tornozelo estava a portar-se
bem. Entramos os dois rebitados nesta grande volta e o treino não foi o melhor,
mas foi chegando para o ritmo imposto. Só neste dia com o atraso no arranque é
que começamos a ver que as horas do dia iam ser poucas para acabar o pretendido
quando começamos a GR363.
Ao aproximarmo-nos de Carviçais o restaurante Artur de
Carviçais começava a dar-nos ideias de comer de faca e garfo ao almoço, mas
quando passamos era dia de folga. Lá tivemos de abrir a mochila e comer o que por
lá andava.
O Miguel ligava ao Norberto a dizer que iriamos aceitar a
ajuda dele, ele levar-nos-ia numa carrinha até ao carro em Paradela, nós só
precisávamos de pedalar até ao Mogadouro.
Entravamos no município de Freixo de Espada à Cinta, a
ciclovia começava a ser mais difícil de pedalar, muita vegetação alta e
apropriação da mesma, saíamos para a N220, voltávamos a tentar a ciclovia à
frente e cada vez era mais difícil, já era preciso uma roçadoura e moto serra.
Voltamos para N220 e logo de seguida para a N221, ficava com pena porque haviam
estações e apeadeiros dignos de uma visita. Vi fotos de alguns deles com
painéis de azulejos muito bonitos, irá ficar para uma próxima oportunidade.
Pedalamos na N221 até Mogadouro, entramos na Vila e foi uma
bela surpresa. Estava bem arrumada com bom aspeto, local onde apetece estar
algum tempo para conhecer. Entravamos na zona histórica do castelo do
Mogadouro, subíamos ao alto para ver as vistas circundantes.
Queimávamos uns minutos até o Norberto estar disponível para
nos voltar a ajudar. Mas estava muito frio e fomos refugiar-nos numa esplanada
mais abrigada. Neste dia acabamos com 75km e 1400+ de acumulado
Entretanto o Norberto chegava, foi-nos apresentado,
aprontamo-nos a agradecer a disponibilidade de arranjar uma roda e a ter
enviado via expresso, mais a viagem até ao carro, uns 60km ida e volta, se
assim não fosse iríamos trabalhar quase de direta.
E para nos deixar ainda mais incrédulos convidava-nos para
lá voltar no dia 13 de Novembro para o magusto da associação que ele pertence,
com pedalada todo o dia e depois tasco à noite. O que se pode dizer destas
pessoas? É que elas são mesmo bem vindas ao mundo.
Tentamos pagar o despacho da roda via expresso, o
combustível e transtorno, mas o Norberto não aceitou.
Chegávamos ao carro já anoitecer. Desmontámos as bikes e
destino Pocinho. Íamos lá tomar banho e jantar. Era dia de folga na Taberna da
Julinha, mas abriram as portas para nos voltar a receber bem. Chegamos a
Famalicão pela 1h da manhã, foram 3 dias muito compriditos.
Nesta GR36 ficaram na memória os trilhos com os miradouros
sobre o Rio Douro como ex-libris, as diversas paisagens, muito riso e companheirismo.
Duas pessoas, o Sr Nel e o Norberto, que conheci e não vou esquecer pelo grande
coração que têm em ajudar sem pedir licença, e a quem nos recebeu nas dormidas
e restaurantes (principalmente na Taberna da Julinha) que fomos sempre bem
recebidos.
Há uns anos atrás vi umas fotos de uns caminheiros em Freixo
de Espada à Cinta, fiquei logo com vontade de percorrer os trilhos de bike. Os
anos foram passando, e em conversa com o Miguel Martins, encontrava a data,
este ano no início da primavera percorreríamos os trilhos.
Como parti o cotovelo, a viagem só pode ser feita em julho
num belo dia de calor na terra quente.
O pedido do track era +- 100km e uns 2500+. Quando chegou
via mail PedroS e Faria deram um salto
dos grandes, 150km e 4000+. Tivemos de fazer uns cortes e arrancamos de Barca
D´Alva.
Miguel Martins e PedroS no Renault com as bikes analógicas
dentro da mala. Rocha e Pedro Faria num Toyota hibrido com as bikes elétricas
no suporte do reboque.
Mais uma bela madrugada para insuflar o cheiro a bike dentro
do carro, este cheiro é sublime que desperta a felicidade que é andar de bike
no monte o dia todo.
A viagem de carro é longa, não chegamos lá mal acaba a auto
estrada. Tinha estada em Barca D´Alva há poucas semanas e vi que nos tínhamos
enganado quando vejo a placa do “bem-vindo ao Pocinho”. Os analógicos foram
tirados da liderança e entraram os elétricos no gps.
Os elétricos com entusiasmo lá iam na senda de Barca D´Alva,
pela margem do Rio Douro em estrada estreita, mais apertada pela vegetação que
ia ganhando espaço à estrada. O gps deles já nos estava a enviar para uma
“estrada/trilho” em terra, o Faria já estava a entrar na loucura, desistimos da
terra e continuamos na estrada estreita de um só carro. O Faria tirava a pele e
era agora o Colin Faria McRae, sempre de gás nas curvas estreitas de montanha…
“EUFARIA” 😎…
Chegávamos finalmente a uma estrada onde já dava para
circular entre dois carros. O gps dizia que faltavam uns 15km. A descida era
muito acentuada para Barca D´Alva, com o Rio Douro a dar-nos as boas vindas,
era de uma paisagem grandiosa de tanta beleza. O Faria continuava em modo Colin
Faria McRae na descida, os analógicos ficaram sem travões e tivemos de abrandar
e parar uns minutos para o carro voltar a travar.
Começamos a andar de bike às 9.00h, o sol já levava um
grande adianto, já estava lá no alto. As pingas de suor já estavam presentes.
O percurso começava por ladear o Rio Douro e o caminho de
ferro, deixando o centro para o trilho que virava para as colinas de vinhedos.
Sentia-me um verdadeiro vindimador de trilhos. A paisagem é qualquer coisa de…
imensa beleza, e nós ali plantados a apreciar a junção de cores e relevos que os
olhos nos presenteavam…
O Rio Douro de margens largas começava a estreitecer enquanto
nos afastávamos nas subidas serpenteadas da vinha, o suor já funcionava como
rega gota a gota.
Deixávamos os vinhedos e mudávamos para os olivais, só não
mudava a inclinação, essa era sempre a subir. A água do bidão e camelbak já
estava em formato chá, o que é agradável com temperaturas acima dos 30º.
A paisagem voltava a mudar, parecia que estávamos em bocados
de Alentejo com as searas pintadas de amarelo torrado, mais uma quantidade de
postais onde dá vontade de criar raízes durante umas largas horas e seguir as
cores que o sol pintava, num planalto antes de Figueira de Castelo Rodrigo.
Todos os bocados de sombra eram aproveitados durante o
percurso, mesmo uma sombra a meia altura tb servia.
Começávamos a ver o alto de Castelo Rodrigo, a média devia
estar uma loucura.
A nossa incursão ao Castelo Rodrigo foi feita pelo trilho do
pinhal, o alcatrão estava muito quente, e pinhal sempre tem algumas sombras,
poucas… mas muita inclinação, a bicicleta na subida ia quase parada, menos as
elétricas que se viam a desaparecer monte acima.
Conquistávamos a subida a ferrar no avanço, e entravamos
triunfantes nas muralhas do castelo. Fizemos um cerco a uma bica de água e
quase a esgotamos, demos uma volta ao centro das muralhas para ver as vistas e
exploramos o interior. Eu e o Rocha já lá tínhamos passado num NGPS.
Três horas depois do arranque 21km feitos!!! Grande média…
tb foi sempre a subir. O corpo merecia uma recompensa, ou o cérebro, uma
cerveja fresquinha que até arrepiava de tão saborosa que estava.
A primeira descida do dia, digna desse nome, refrescou-nos o
corpo um pouco. Entravamos na parte menos interessante do percurso, como
tivemos de reduzir km ao track inicial, um dos cortes era ir pela estrada a
seguir à descida de Castelo Rodrigo até Puerto Seguro em Espanha, 20km de
alcatrão quente.
Ponte dos Franceses, um ponto obrigatório de passagem para
este passeio, era-nos apresentado o trilho que nos levava até ela. Era um
trilho em forma de poço, descia a pique e subia a pique. A descida, um pouco
técnica pelas curvas acentuadas juntando à velocidade provocada pela gravidade,
os rins e os braços eram os que mais sofriam. Os rins eram apertados com as
curvas a 360º, as pedras que eles por lá vão fabricando eram esmigalhadas. Os
braços pareciam que estavam a fazer ginásio durante umas largas horas.
A vista do vale era deslumbrante, fazíamos um mix de descida
e paragem para apreciar a paisagem, os abutres com o som que fazíamos na
descida começavam a levantar voo, ou era o cheiro que trazíamos dava-lhes
ideias de carne morta ou hora do lanche.
Do outro lada da encosta víamos o serpentear da subida, já
doía… evitava olhar, fixava-me no Rio Águeda e na bela ponte em pedra e
apreciava a engenharia e sua arquitetura. Merece sem duvida uma visita.
Antes do começarmos a descida tínhamos a ideia de nos
refrescar no rio, mas só à base de Bungee Jumping ou rapel, ou simplesmente
suicídio.
Começava a subida, antes tiramos a febre à temperatura
ambiente e estavam 41ºc. A minha transmissão não estava a ajudar e a avozinha
não queria entrar, só entrava a tia avó. Quando a inclinação era grande (zonas com 18% e 24%) aliada
ao piso irregular a corrente caía da 1º para a 2º dificultando ainda mais a
minha progressão em cima da bike.
O som das pingas do suor a cair em cima do quadro da bike ia
dando o compasso subida acima. As sombras eram aproveitadas para descansar e
oxigenar e fazer de conta que via a paisagem mais demoradamente, estava dura a
subida… A água voltava a saber a chã em 10km. Já dava enjoos, mas não havendo
outra…
Durante a subida só se falava em cerveja fresca, já estava a
dar em doido ou alucinado, até já sentia o sabor da cerveja goela abaixo.
A primeira povoação a seguir à Ponte dos Franceses foi São
Félix dos Galegos, (pertenceu algumas vezes a Portugal e foi D. Dinis que
mandou construir o castelo) palmilhamos as ruas todas à procura de um tasco
para beber a prometida cerveja ao corpo, não estava fácil já todos dormiam a
siesta.Encontrámos um com esplanada que
começava a arrumar as cadeiras, não arrumou todas e sentamo-nos a cantar (com
sotaque portanhol) “caminhando pela canha eu te vi”. As cañas estavam a estalar
e saborosas, o Rocha mal pegou no copo o guarda redes nem teve hipótese. Ah!!!!
O que um copo de cerveja consegue fazer… enche a alma, mas dá cabo das pernas.
Snif!!! Snif!!!
Deixamos São Félix dos Galegos com água fresca nos bidões, com
o corpo exterior refrescado e o interior ainda a mastigar a cerveja. A ver
vamos até onde vai dar este entusiasmo…
O track entrava numa zona bem divertida com STs e trilhos
mais desafiantes, os estradões tórridos entre aldeias tb lá estavam. Não encontramos
mais nenhum motivo para cantar a musica “caminhando pela canha eu te vi” não se
via vivalma nem cerveja. O chá voltava ao palato e já não apetecia comer nada
que levava. A pele parecia que estava a levar um escaldão dos diabos, embora
tivesse colocado umas doses extra de protetor solar.
Já dizia para mim mesmo não vou à Calçada de Alpajares e
Penedo do Durão, estou a ficar todo F#$%& prefiro ficar em Barca D´Alva na
cerveja, aprendi esta técnica com o Rocha. Depois de interiorizar a minha ideia
aviso os meus companheiros de insolação.
Antes da chegada a Fregeneda aparece mais um rabo de cabra
para esfolar, uma curta subida técnica onde descarreguei a minha última vontade
de fazer mais subidas neste dia. Saí esgotado e com mais uma dor na boca do
estômago. Na tentativa de subir uma pedra, esta escorrega e eu bato com o peito
no avanço, era o sinal que o que eu queria era uma esplanada.
Fregeneda, mais uma refrescadela de corpo e deitar o chá
fora. Agora voltava a ter água fresca no bidão durante mais meia hora.
Com o Rio Douro na retina Barca D´Alva devia estar a
aproximar-se, o calor esse estava a aumentar, mesmo na descida não baixava
um grau.
Uma vista fantástica com o sol a pintar o Rio Douro em cor
prata, a ponte em Barca D´Alva já se avistava, voltava o ânimo da cerveja fresca.
Esta zona em descida foi a mais quente que o meu corpo sentiu no dia, havia
bocados do trilho em que era difícil respirar de tão abafado que estava.
Usávamos o caminho de ferro desativado para transformar as
bikes em comboios individuais, chegávamos à estação de Barca D´Alva e os carros
estavam a cem metros.
Refrescamo-nos no Rio Douro com uma bela sensação de
frescura, a primeira do dia, depois usamos o rio como banheira gigante e
tomamos banho.
Uns finitos em Barca D´Alva, subir ao Penedo do Durão
(brutal a paisagem lá de cima) e depois jantar em Freixo de Espada à Cinta, que
bem que soube e sabe depois de uma tareia conviver e degustar. Quando chegamos
a Famalicão continuamos a conviver à volta de uma bela de 1,5L.
Que belo e grande dia… 93km e 2200+, 7h em movimento de bike